segunda-feira, 17 de abril de 2017

Cuidado com o que deseja

   Costumava ter um hobby considerado estranho para meus amigos. Cada vez que conseguia ir para "cidade grande", ligava a televisão para assistir o canal que passava as sessões da Assembléia Legislativa (no interior não tinha). Era meu fascínio ficar olhando cada deputado na tribuna, suas falas decoradas, demagógicas e algumas até sinceras, com mensagens produtivas. 
  Dizia para meus amigos que um dia estaria lá, que desejava trabalhar muito naquele local. Me chamavam de maluca, retardada, que nenhum jovem normal desejaria isso (deveria ter escutado).
   O tempo passou muito rápido e numa loucura do universo estava ali, no meio daqueles que me fascinava. Foi quando notei que meu gosto não era peculiar e sim idiota.A partir deste momento comecei a cuidar o que desejava para minha vida. 
   Conheci de perto uma parte do inferno. Em alguns momentos me sentia num filme, tinha cenas de terror, drama, conspiração, comédia, promiscuidade, sexo, vaidade, chantagem e até ficção. Em outros momentos sentia estar num hospício. Eu realmente estava entrando naquele jogo e enlouquecendo, aliás não há como voltar a ser quem era depois de presenciar pessoas usando seu lado mais negro para sobrevivência, vaidade e poder.
    De fora vem o questionamento da existência desses comportamentos em todos lugares, empresas privadas, hospitais, escolas, qualquer ambiente de trabalho ocorre esses fatos.É verdade, cada um sabe onde aperta seu sapato e só é preciso ter dinheiro no meio para os mais fracos mostrarem sua verdadeira face. Meu pavor não era me deparar com problemas circunstanciais no trabalho, o assustador era que ali eram realizadas votações que influenciavam em todas as outras áreas na vida de qualquer pessoa, até numa empresa privada que muitos enchem o peito e dizem não depender da politica. Naquele local, era decidido toda a parte repudiada burocrática do tratamento do câncer do seu pai, da oportunidade de emprego do seu filho, o salário que mantém sua alimentação, o imposto da luz que liga seu programa favorito e até a quantidade de álcool que você consumirá no final de semana. Enfim quase tudo para você tentar ter uma vida digna. É um efeito cascata bem camuflado. 
    Neste lugar, pode não ser sua área de interesse, seu emprego, seu lazer favorito, mas é ali um dos pilares para fazer de você uma máquina. Quem se importa com funcionamento de gabinetes de vereadores, prefeitos ou deputados! Muitos nem tem acesso a esta informação muito menos interesse, mas deveriam. No silêncio dos bastidores podemos encontrar as respostas para nossas dúvidas.

Como tudo começou.

    Tinha oito anos de idade quando fazia poemas para uma mulher que tinha se candidatado a vereadora. Eu declamava os versos para muitas pessoas e o sorriso dos meus pais me motivava. Adorava ir naqueles lugares que a candidata me levava para usar meus poemas que passava madrugadas escrevendo. Depois de um tempo descobri que eram comícios e eu atração perfeita para atrair votos. Uma criança inocente e criativa, na qual sensibilizava eleitores carentes a eleger aproveitadores, e quantos por aí usam esta técnica. Mas não importava, eu gostava da muvuca destes ambientes e me deslumbrava com os elogios que recebia.
   Acho que foi minha primeira decepção neste meio, pois esta mulher nem gostava de mim. Depois que ganhou a eleição se afastou e as únicas lembranças que tenho é dela me chamando atenção num momento que fui servir um refrigerante. Chamou eu e meu irmão de pobre, pois ricos não enchem o copo só servem até a metade. Com oito anos tive minha primeira tristeza com políticos. Quem liga, era apenas uma criança. Veio a reeleição e apesar dos quatro anos passados eu lembrei de ter sido usada (a grande mágica na política para quem está nela são o passar dos quatro anos, para quem foi machucado, a contagem é motivacional). Apesar de ainda ser uma criança meu método de vingança foi trabalhar para ela e nas caminhadas quando alguém não olhava eu jogava seu material fora. Tão inocente e rebelde, achando que isso causaria algum problema e cessaria em mim a mágoa. 
   Ela se reelegeu e continuou usando o lado emocional das pessoas e seus momentos mais frágeis para alcançar seus objetivos. A doença e a morte foi seu foco durante seus mandatos e atuações nos bastidores na política. Suas proposições parlamentares eram a maioria votos de pesar. Não a julgo pela sua estratégia na luta por votos, apenas tive ela como base na pessoa na qual não gostaria de me tornar na vida pública.